sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Prateleira errada [...]


                        


     Hoje sinto algo estranho. Ontem, por algum motivo bobo e qualquer, decidi que precisava encontrar livros novos, histórias novas e talvez, uma paz desconhecida por mim. Eram duas e meia da tarde, quando me dirigi até a biblioteca central, com o objetivo de ficar o dia todo apenas pensando em tudo e em nada.
     Até alguns minutos antes de chegar à biblioteca, minha verdadeira intenção era me liberar dos meus dogmas literários, mas ao chegar, me perdi dentro de meus próprios pensamentos e nenhuma história, nenhuma capa e nenhum título conseguiram prender minha atenção. Me entreguei novamente ao Machado de Assis e alguns contos de José de Alencar. Nunca gostei muito de sair dos padrões e de qualquer coisa que me mantenha distante do que eu realmente sou.
   Algumas prateleiras a frente, havia alguém vasculhando livros de física quântica. Por algum motivo, ele me chamou a atenção. Não apenas pelo absurdo de estar escolhendo livros de física, mas ele tinha traços e peculiaridades que pertenciam apenas à ele. Como ele parecida ser interessante.
    Ele estava há mais ou menos 6 prateleiras distantes de mim e esses poucos metros se transformaram em quilômetros a cada instante que eu me aproximava. Eu já nem ao menos olhava para os livros, de alguma forma, tocava-os como um pequeno pretexto, para na verdade, poder tocá-lo. Sou tão boba, eu me embebedando de sua simplicidade e ele, no meio de tantas histórias, mal teve tempo de reparar em mim, e na possível que eu já estava imaginando com ele.
     De tanto me aproximar, quando dei por mim, havia apenas uma prateleira de química orgânica nos separando. Fui tão desastrada, que não me contive e acabei derrubando alguns livros no chão. Ele estava tão concentrado que levou um susto quando me viu com uma cara boba, toda envergonhada juntando os livros, onde mal sabia os colocar em ordem. Eu nunca me dei bem nas áreas exatas, ou melhor, sempre fui péssima, assim como era péssima em relacionamentos. Sinto que ao meu lado ninguém se sentia bem, a ponto de permanecer por tanto tempo.
     Por algum motivo, ele olhou para mim, e meu Deus, que olhos castanhos maravilhosos. Eu não acreditava em amor a primeira vista, mas como eu queria que naquele momento, eu me apaixonasse por ele, nem que fosse daqueles amores de romances, de costume, que eu amo só, por puro egoísmo, ou por puro medo de sofrer.
     Eu olhei para ele e por incrível que pareça, ele me notou, e também percebeu como sou desastrada para tudo, ou talvez apenas com aqueles livros. Senti ele tocar minha mão, e por incrível que pareça, eu segurei a dele, como se não quisesse que o tempo parasse apenas para nós dois.
     -Química? Não tem cara de quem se aproximaria de livros de química. Disse ele rindo, após notar minha desorganização.
     -Como percebeu? Ah, é claro, sou tão boba que deixei transparecer que prefiro literatura brasileira?Acho que errei de prateleira.Disse eu, rindo, sentindo como se nos conhecêssemos há muitos anos, ou muitas vidas.
     -Não gosto de literatura brasileira. Gosto de lidar mais com números, pois me sinto mais seguro em meio há exatidão que há por trás deles.
     -Você tem um gosto muito peculiar, eu me entendo mais com as palavras. Que bom conhecê-lo.
     -Foi muito bom lhe encontrar na prateleira errada.
     -O mais importante, foi o motivo que me fez chegar até a prateleira errada. Sorri após dizer isso, pois eu senti que seus olhos se entrelaçaram com os meus.
     Na forma mais doce e mais singela, meu coração se uniu ao dele, como se pertencêssemos um ao outro, como se tivéssemos formado uma unidade.
Nunca me senti tão feliz, por ter estado em uma prateleira errada. [...]
 


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